terça-feira, 16 de setembro de 2008

Entre empregos e desesperos

- Bom dia, senhor.
- Por que bom dia, garoto? Já viu o dia lá fora? Dia horrível!
- Não, não vi. Estou aqui no atendimento aos clientes desde às oito da manhã. Que o dia melhore para o senhor então.
- Não vai melhorar.
- Por que não?
- Quantos anos você tem?
- ?
- Quantos anos você tem?
- Vinte, senhor.
- Vinte e quantos?
- Vinte e alguns meses, senhor. Vinte redondinho. O que o senhor desejava mesmo?
- Alguém experiente para me atender, e não tenho. Não lhe disse que o dia ia ser uma porcaria?
- Senhor, o senhor nem me disse o que deseja... como pode me qualificar como inexperiente?
- Porque você é um moleque de vinte anos de idade, mais novo que o meu filho mais novo. E com vinte anos de idade, só se tem experiência em uma coisa: merda nenhuma. Como o banco contrata alguém com essa idade para me atender? Você não tem o menor conhecimento em Economia, tem? Em Administração? Em Contabilidade? Não tem, porque mesmo que você esteja fazendo um desses cursos, não tem idade para ter chegado nem na metade dele. Na metade! Ou seja, eu só posso esperar deste atendimento, no máximo, um atendimento pela metade. Pela metade! Um senhor da minha idade, com um atendimento pela metade! Meu Deus, onde o mundo foi parar...
- No século XXI, senhor.
- Hein?
- No século XXI, senhor. Um século em que, graças aos constantes avanços tecnológicos, uma empresa pode substituir grande parte dos seus economistas, administradores e contadores por uma simples máquina: um computador como este que eu tenho aqui em minha frente. Ele faz cálculos de probabilidade, simulações de rendimentos financeiros futuros, gerenciamento de equipe... tudo em poucos segundos. Tudo o que se precisa é alguém que saiba operá-lo, apertando algumas teclas. Então, não se preocupe, senhor. Possuo apenas nível médio, sou recém-contratado pela empresa, mas posso perfeitamente atender a sua solicitação, seja ela qual for. Aliás, qual é a sua solicitação?
- (...)
- Sua solicitação, senhor?
- Nenhuma.
- Como?
- Nenhuma.
- (...)
- Como é, vai ficar me olhando com cara de tacho?
- Não, senhor. Vou pedir que o senhor se levante para que eu possa chamar o próximo da fila.
- Não vou levantar, seu moleque descarado. Me chame o gerente! Agora!
- O gerente não está disponível neste momento, senhor. Em geral, ele trabalha internamente, resolvendo problemas técnicos ou atendendo clientes que necessitem de uma atenção maior, graças à grande diversidade de investimentos que possuem. No entanto, eu posso lhe atender da mesma forma que ele atenderia, porque fui eficientemente treinado para isto.
- Não vou ser atendido por você, seu grosso preconceituoso! Me chamou de velho burro, que não sabe mexer em porcarias de máquinas como esta. Disse que eu estava no século errado, que eu já devia era ter morrido! Falou que eu era um pobretão que não merecia ser atendido pelo gerente. Você não sabe atender com educação, sabia? E pensar que tem muita gente boa lá fora, já formada, com mestrado e doutorado morrendo de fome. Tudo por sua causa, seu incompetente!
- Minha causa?
- Sim, sua. Sua que é uma mão-de-obra barata e desqualificada! Se não houvesse parasitas como você, que retiram o emprego daqueles que merecem, daqueles que estudaram, o mundo estaria bem melhor. Você deveria era estar estudando e se preparando para ser alguém um dia!
- Alguém como um desses qualificados sem emprego que o senhor citou anteriormente?
- Ora, seu debochado! Fazendo gracinha comigo? Eu não sou um desses idiotas que sentam nessa cadeira aqui e toleram esse tipo de agressão vindo de alguém sem preparo como você. Eu vou é colocar você no olho da rua, para você aprender a tratar os idosos de forma decente. Você vai se ver comigo quando eu chamar o gerente. Chamem o gerente! Chamem o gerente!
- Senhor, calma. O senhor já está assustando os outros clientes. Primeiro me informe no que eu posso ter a... honra de lhe ajudar. Se meu atendimento não estiver à sua altura, eu juro que chamo o gerente e o senhor vai ter todo o tempo do mundo para fazer as suas queixas a ele. Estamos combinados?
- Então agora além de burro, velho, ultrapassado, medíocre e pobre, eu sou desocupado? “Todo o tempo do mundo”... ah, faça-me o favor, meu filho. Por você, não vou ser atendido. Seja você menos desocupado e me chame AGORA o gerente. AGORA! Senão eu faço um ESCÂNDALO, OUVIU? Um ESCÂNDALO! VOU TER UM ENFARTE AQUI NA SUA MESA DE TANTO ESCÂNDALO QUE VOU FAZER!
- Certo, senhor. Vou chamá-lo. Aguarde só um instante.
- UM INSTANTE UMA PORRA! EU QUERO VER O GERENTE E QUERO AGORA! CADÊ ESSE GERENTE QUE ABANDONA OS CLIENTES DO BANCO DELE À MERCÊ DE UM BANANA COMO ESSE AQUI? NÃO SABE FAZER NADA, O GAROTO, NADA! VOCÊS QUE AINDA VÃO SER ATENDIDOS, ESCOLHAM O ATENDENTE DE LÁ, OUVIRAM? ESSE AQUI SÓ VAI FICAR OLHANDO COM CARA DE PASTEL PARA VOCÊS. É UM PALERMA, É UM... É O SENHOR O GERENTE?
- Sim, senhor. Sou eu mesmo. Em que posso ajudá-lo?
- POIS VEJA O SENHOR QUE...
- Por favor, não há necessidade de alterar a voz, senhor. Calma, calma. Eu estou aqui só para ouvir a sua reclamação. O que aconteceu?
- Esse cretino do seu funcionário... isso que me aconteceu... veja o senhor que... puf... estou até sem voz. Veja o senhor que vim aqui apenas para solicitar o saldo da minha poupança, que tenho aqui há anos, e ele... puf... me insultou. Falou que eu era um velho burro, que não sabia olhar o saldo lá fora, que...cof, cof. É isso que dá contratar um desqualificado. O banco deveria contratar só gente já formada que nem o meu... puf... que nem o meu filho, que se formou há anos e... cof... nunca conseguiu um emprego decente. Aí eu sou obrigado a sustentar a família inteira com essa...cof... merda de aposentadoria. E agora vai piorar porque... puf... a mulher vai ter que fazer uma... cirurgia, eu preciso arranjar o... o dinheiro e... e...
E o senhor apóia as mãos na mesa, abaixa a cabeça e chora. Chora um choro gutural e desesperado, característico daqueles que já perderam há tempos a capacidade de acreditar em uma vida justa.
- Acalme-se, senhor. Acalme-se. O saldo da sua poupança é quinhentos e treze reais e nove centavos. Mais calmo? Mais calmo? Isso... se o senhor quiser sacar o dinheiro, é melhor se dirigir ao caixa. Vamos, o segurança lhe ajuda... isso. Pode ir. Boa sorte com a cirurgia. Um bom dia para o senhor. Garoto, posso falar com você um minutinho?
- Pois não, senhor gerente.
- Vem aqui, por favor.
- Hunrum.
- Olha, o que você fez com esse senhor é imperdoável. Ele passando por todas essas dificuldades e você o insulta? O humilha? O cargo que você possui aqui na empresa não lhe dá direito a isso.
- Senhor, não foi bem assim... ele já estava irritado quando chegou e...
- Não acho que existam desculpas para o que aconteceu. Veja bem, acho que fui precipitado com a sua contratação. O salário e o status lhe subiram muito a cabeça. Veja bem, acho que você ainda está muito despreparado para uma função como esta.
- Espera, o que o senhor quer dizer é que...?
- Você fica conosco até o fim do mês. Infelizmente, eu não tolero condutas deste tipo. Veja o estado dos clientes: estão todos espantados com o que você fez. Você ainda é muito novo para um emprego com este. Vamos esperar até que você amadureça, o.k? Agora, eu vou voltar para o meu trabalho e você para o seu. Por favor, mais educação com os próximos clientes, tá?
O gerente sai. E o estagiário apóia as mãos na parede, abaixa a cabeça e chora. Chora um choro fino e manso, característico daqueles que começam a perder agora a capacidade de acreditar em uma vida justa.