sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Palavras Desconectadas

O corrente avanço da tecnologia promove, cada vez mais, a proximidade entre as pessoas. Comunicamos hoje, em um minuto, o que levávamos meses, anos para conseguir. Podemos até, quem diria, ler o jornal de amanhã hoje a partir das seis da tarde! Nossas fotos, antes subordinadas à confiança do olho nu, hoje são previstas, apagadas, substituídas e armazenadas no computador. Neste, residem também nossos livros, arquivos, pensamentos e .. palavras.
No entanto, tamanha proximidade nos leva à criação de uma “nova língua virtual”, que implica um certo (e em alguns casos, total) desrespeito às regras de linguagem corrente.

Nos “messengers”, programas de conversação instantânea, já era de se esperar que regras de pontuação e acentuação sejam desconsideradas. Porém, além disso, diversos problemas de linguagem são apresentados e, muitas vezes, criados. O primeiro deles é derivado de uma crescente preguiça no ato de escrever, o que resulta na redução das frases às seus principais aspectos:
Gabriella diz:
-cade?
Mariana diz:
-casa.
Gabriella diz:
-cinema?
Mariana diz:
-ok.

Mais do que isso. Abreviações, antes usadas para pronomes de tratamento e outros casos especiais, hoje são aplicadas sempre que possível, e muitas vezes dificultam a compreensão do sentido do que se escreve:
Gabriella diz:
ta ond?
Mariana diz:
casa, vc?
Gabriella diz:
tbm. cine?
Mariana diz:
n sei.
Gabriella diz:
pq?

Em outros casos, ainda que a frase seja escrita por inteiro, é divida em tantas partes que altera a linearidade da conversa:
Gabriella diz:
hoje
quero
ir
cine
meu nome não é johnny
Mariana diz:
prefiro
Gabriella diz:
mt bom
Mariana diz:
tropa de elite
Gabriella diz:
qual?
Mariana diz:
tb acho
qual o q?
Gabriella diz:
já vi
qual filme?
tb acha o q?

E por aí vai. Se pensarmos bem, essa economia de palavras logo perde seu fundamento, pois ao dificultar o completo entendimento, a promessa de velocidade logo se desfaz. Leva-se muito mais tempo ao explicar a confusão antes ocasionada, o que rapidamente seria evitado - diga-se de passagem - com muito menos palavras, utilizando a forma tradicional.

Outro dia, me vieram dizer que a forma na qual eu escrevia transcorria muita frieza. De fato, simpatia na internet é demonstrada através de uma escrita que, no máximo possível se aproxima das pessoalidades da fala. Iniciar uma conversa dizendo “oi” apenas, implica um certo desconcerto ou mesmo descaso. Já se escrevermos “oiiiiii” ou “oiee”, conota-se muito mais apego e extroversão. Quanto mais repetições melhor. Vivemos hoje em um mundo onde a quantidade é determinada pelo número de “s” contidos na palavra. Quem manda “beijossss” transfere muito mais carinhos do que quem escreve a palavra “beijos” corretamente. Um tanto controverso, se pensarmos que antes estávamos fragmentando as palavras. Corta-se de umas para alongar outras.

Na ditadura livre da internet, servimos a um sistema que abre as portas do mundo inteiro, sem deixar-nos sair do quarto. Junto com a liberdade em carne e osso, encarceramos a língua e engolimos as palavras. Tudo isto, supostamente, pela promessa de facilitar e universalizar a comunicação.