terça-feira, 16 de setembro de 2008

Entre empregos e desesperos

- Bom dia, senhor.
- Por que bom dia, garoto? Já viu o dia lá fora? Dia horrível!
- Não, não vi. Estou aqui no atendimento aos clientes desde às oito da manhã. Que o dia melhore para o senhor então.
- Não vai melhorar.
- Por que não?
- Quantos anos você tem?
- ?
- Quantos anos você tem?
- Vinte, senhor.
- Vinte e quantos?
- Vinte e alguns meses, senhor. Vinte redondinho. O que o senhor desejava mesmo?
- Alguém experiente para me atender, e não tenho. Não lhe disse que o dia ia ser uma porcaria?
- Senhor, o senhor nem me disse o que deseja... como pode me qualificar como inexperiente?
- Porque você é um moleque de vinte anos de idade, mais novo que o meu filho mais novo. E com vinte anos de idade, só se tem experiência em uma coisa: merda nenhuma. Como o banco contrata alguém com essa idade para me atender? Você não tem o menor conhecimento em Economia, tem? Em Administração? Em Contabilidade? Não tem, porque mesmo que você esteja fazendo um desses cursos, não tem idade para ter chegado nem na metade dele. Na metade! Ou seja, eu só posso esperar deste atendimento, no máximo, um atendimento pela metade. Pela metade! Um senhor da minha idade, com um atendimento pela metade! Meu Deus, onde o mundo foi parar...
- No século XXI, senhor.
- Hein?
- No século XXI, senhor. Um século em que, graças aos constantes avanços tecnológicos, uma empresa pode substituir grande parte dos seus economistas, administradores e contadores por uma simples máquina: um computador como este que eu tenho aqui em minha frente. Ele faz cálculos de probabilidade, simulações de rendimentos financeiros futuros, gerenciamento de equipe... tudo em poucos segundos. Tudo o que se precisa é alguém que saiba operá-lo, apertando algumas teclas. Então, não se preocupe, senhor. Possuo apenas nível médio, sou recém-contratado pela empresa, mas posso perfeitamente atender a sua solicitação, seja ela qual for. Aliás, qual é a sua solicitação?
- (...)
- Sua solicitação, senhor?
- Nenhuma.
- Como?
- Nenhuma.
- (...)
- Como é, vai ficar me olhando com cara de tacho?
- Não, senhor. Vou pedir que o senhor se levante para que eu possa chamar o próximo da fila.
- Não vou levantar, seu moleque descarado. Me chame o gerente! Agora!
- O gerente não está disponível neste momento, senhor. Em geral, ele trabalha internamente, resolvendo problemas técnicos ou atendendo clientes que necessitem de uma atenção maior, graças à grande diversidade de investimentos que possuem. No entanto, eu posso lhe atender da mesma forma que ele atenderia, porque fui eficientemente treinado para isto.
- Não vou ser atendido por você, seu grosso preconceituoso! Me chamou de velho burro, que não sabe mexer em porcarias de máquinas como esta. Disse que eu estava no século errado, que eu já devia era ter morrido! Falou que eu era um pobretão que não merecia ser atendido pelo gerente. Você não sabe atender com educação, sabia? E pensar que tem muita gente boa lá fora, já formada, com mestrado e doutorado morrendo de fome. Tudo por sua causa, seu incompetente!
- Minha causa?
- Sim, sua. Sua que é uma mão-de-obra barata e desqualificada! Se não houvesse parasitas como você, que retiram o emprego daqueles que merecem, daqueles que estudaram, o mundo estaria bem melhor. Você deveria era estar estudando e se preparando para ser alguém um dia!
- Alguém como um desses qualificados sem emprego que o senhor citou anteriormente?
- Ora, seu debochado! Fazendo gracinha comigo? Eu não sou um desses idiotas que sentam nessa cadeira aqui e toleram esse tipo de agressão vindo de alguém sem preparo como você. Eu vou é colocar você no olho da rua, para você aprender a tratar os idosos de forma decente. Você vai se ver comigo quando eu chamar o gerente. Chamem o gerente! Chamem o gerente!
- Senhor, calma. O senhor já está assustando os outros clientes. Primeiro me informe no que eu posso ter a... honra de lhe ajudar. Se meu atendimento não estiver à sua altura, eu juro que chamo o gerente e o senhor vai ter todo o tempo do mundo para fazer as suas queixas a ele. Estamos combinados?
- Então agora além de burro, velho, ultrapassado, medíocre e pobre, eu sou desocupado? “Todo o tempo do mundo”... ah, faça-me o favor, meu filho. Por você, não vou ser atendido. Seja você menos desocupado e me chame AGORA o gerente. AGORA! Senão eu faço um ESCÂNDALO, OUVIU? Um ESCÂNDALO! VOU TER UM ENFARTE AQUI NA SUA MESA DE TANTO ESCÂNDALO QUE VOU FAZER!
- Certo, senhor. Vou chamá-lo. Aguarde só um instante.
- UM INSTANTE UMA PORRA! EU QUERO VER O GERENTE E QUERO AGORA! CADÊ ESSE GERENTE QUE ABANDONA OS CLIENTES DO BANCO DELE À MERCÊ DE UM BANANA COMO ESSE AQUI? NÃO SABE FAZER NADA, O GAROTO, NADA! VOCÊS QUE AINDA VÃO SER ATENDIDOS, ESCOLHAM O ATENDENTE DE LÁ, OUVIRAM? ESSE AQUI SÓ VAI FICAR OLHANDO COM CARA DE PASTEL PARA VOCÊS. É UM PALERMA, É UM... É O SENHOR O GERENTE?
- Sim, senhor. Sou eu mesmo. Em que posso ajudá-lo?
- POIS VEJA O SENHOR QUE...
- Por favor, não há necessidade de alterar a voz, senhor. Calma, calma. Eu estou aqui só para ouvir a sua reclamação. O que aconteceu?
- Esse cretino do seu funcionário... isso que me aconteceu... veja o senhor que... puf... estou até sem voz. Veja o senhor que vim aqui apenas para solicitar o saldo da minha poupança, que tenho aqui há anos, e ele... puf... me insultou. Falou que eu era um velho burro, que não sabia olhar o saldo lá fora, que...cof, cof. É isso que dá contratar um desqualificado. O banco deveria contratar só gente já formada que nem o meu... puf... que nem o meu filho, que se formou há anos e... cof... nunca conseguiu um emprego decente. Aí eu sou obrigado a sustentar a família inteira com essa...cof... merda de aposentadoria. E agora vai piorar porque... puf... a mulher vai ter que fazer uma... cirurgia, eu preciso arranjar o... o dinheiro e... e...
E o senhor apóia as mãos na mesa, abaixa a cabeça e chora. Chora um choro gutural e desesperado, característico daqueles que já perderam há tempos a capacidade de acreditar em uma vida justa.
- Acalme-se, senhor. Acalme-se. O saldo da sua poupança é quinhentos e treze reais e nove centavos. Mais calmo? Mais calmo? Isso... se o senhor quiser sacar o dinheiro, é melhor se dirigir ao caixa. Vamos, o segurança lhe ajuda... isso. Pode ir. Boa sorte com a cirurgia. Um bom dia para o senhor. Garoto, posso falar com você um minutinho?
- Pois não, senhor gerente.
- Vem aqui, por favor.
- Hunrum.
- Olha, o que você fez com esse senhor é imperdoável. Ele passando por todas essas dificuldades e você o insulta? O humilha? O cargo que você possui aqui na empresa não lhe dá direito a isso.
- Senhor, não foi bem assim... ele já estava irritado quando chegou e...
- Não acho que existam desculpas para o que aconteceu. Veja bem, acho que fui precipitado com a sua contratação. O salário e o status lhe subiram muito a cabeça. Veja bem, acho que você ainda está muito despreparado para uma função como esta.
- Espera, o que o senhor quer dizer é que...?
- Você fica conosco até o fim do mês. Infelizmente, eu não tolero condutas deste tipo. Veja o estado dos clientes: estão todos espantados com o que você fez. Você ainda é muito novo para um emprego com este. Vamos esperar até que você amadureça, o.k? Agora, eu vou voltar para o meu trabalho e você para o seu. Por favor, mais educação com os próximos clientes, tá?
O gerente sai. E o estagiário apóia as mãos na parede, abaixa a cabeça e chora. Chora um choro fino e manso, característico daqueles que começam a perder agora a capacidade de acreditar em uma vida justa.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Palavras Desconectadas

O corrente avanço da tecnologia promove, cada vez mais, a proximidade entre as pessoas. Comunicamos hoje, em um minuto, o que levávamos meses, anos para conseguir. Podemos até, quem diria, ler o jornal de amanhã hoje a partir das seis da tarde! Nossas fotos, antes subordinadas à confiança do olho nu, hoje são previstas, apagadas, substituídas e armazenadas no computador. Neste, residem também nossos livros, arquivos, pensamentos e .. palavras.
No entanto, tamanha proximidade nos leva à criação de uma “nova língua virtual”, que implica um certo (e em alguns casos, total) desrespeito às regras de linguagem corrente.

Nos “messengers”, programas de conversação instantânea, já era de se esperar que regras de pontuação e acentuação sejam desconsideradas. Porém, além disso, diversos problemas de linguagem são apresentados e, muitas vezes, criados. O primeiro deles é derivado de uma crescente preguiça no ato de escrever, o que resulta na redução das frases às seus principais aspectos:
Gabriella diz:
-cade?
Mariana diz:
-casa.
Gabriella diz:
-cinema?
Mariana diz:
-ok.

Mais do que isso. Abreviações, antes usadas para pronomes de tratamento e outros casos especiais, hoje são aplicadas sempre que possível, e muitas vezes dificultam a compreensão do sentido do que se escreve:
Gabriella diz:
ta ond?
Mariana diz:
casa, vc?
Gabriella diz:
tbm. cine?
Mariana diz:
n sei.
Gabriella diz:
pq?

Em outros casos, ainda que a frase seja escrita por inteiro, é divida em tantas partes que altera a linearidade da conversa:
Gabriella diz:
hoje
quero
ir
cine
meu nome não é johnny
Mariana diz:
prefiro
Gabriella diz:
mt bom
Mariana diz:
tropa de elite
Gabriella diz:
qual?
Mariana diz:
tb acho
qual o q?
Gabriella diz:
já vi
qual filme?
tb acha o q?

E por aí vai. Se pensarmos bem, essa economia de palavras logo perde seu fundamento, pois ao dificultar o completo entendimento, a promessa de velocidade logo se desfaz. Leva-se muito mais tempo ao explicar a confusão antes ocasionada, o que rapidamente seria evitado - diga-se de passagem - com muito menos palavras, utilizando a forma tradicional.

Outro dia, me vieram dizer que a forma na qual eu escrevia transcorria muita frieza. De fato, simpatia na internet é demonstrada através de uma escrita que, no máximo possível se aproxima das pessoalidades da fala. Iniciar uma conversa dizendo “oi” apenas, implica um certo desconcerto ou mesmo descaso. Já se escrevermos “oiiiiii” ou “oiee”, conota-se muito mais apego e extroversão. Quanto mais repetições melhor. Vivemos hoje em um mundo onde a quantidade é determinada pelo número de “s” contidos na palavra. Quem manda “beijossss” transfere muito mais carinhos do que quem escreve a palavra “beijos” corretamente. Um tanto controverso, se pensarmos que antes estávamos fragmentando as palavras. Corta-se de umas para alongar outras.

Na ditadura livre da internet, servimos a um sistema que abre as portas do mundo inteiro, sem deixar-nos sair do quarto. Junto com a liberdade em carne e osso, encarceramos a língua e engolimos as palavras. Tudo isto, supostamente, pela promessa de facilitar e universalizar a comunicação.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Cotas para baixinhos, por favor

A discussão sobre cotas atingiu a minha faculdade como rastro de pólvora. Veio de fininho, como quem não quer nada, e agora, já alcançou um estágio de rebuliço total. Antes, o debate se limitava apenas em decidir – e rápido – se as cotas seriam ou não aprovadas. Eu sempre fui a favor. Primeiro, porque já passei no vestibular. Ou seja, sendo muito sincero, tanto faz quem vai entrar agora que já estou aqui. Vai ser tudo calouro mesmo, de cabeça raspada e rosto pintado. Segundo, porque eu sempre acreditei que a forma de avaliação do vestibular é ineficiente e injusta. Com as cotas, sei que vai continuar sendo. Mas elas ao menos nos tiraram da inércia, nos obrigaram a propor soluções alternativas, a berrar, a xingar, seja contra ou a favor. Acabaram com a nossa apatia, as malandrinhas...
O engraçado é que as cotas ganharam tanta popularidade que agora estão sendo até subdivididas, como uma classe científica. Antes, ao que eu me lembre, era só cota. Agora tem cota racial, cota social e acho que até cota sócio-cultural, que é a que enquadra os índios. Não sei muito bem as subdivisões, mas já percebi que nesse samba do crioulo doido, está todo mundo querendo tirar uma boquinha. Aqui na UESB, por exemplo, estão propondo cotas para filhos de funcionários da instituição. Eu, hein? Não consigo entender porque alguém que é filho de uma pessoa que trabalha na faculdade tem mais direito de entrar nela do que alguém que é filho de alguém que trabalhe como advogado. Ou alguém que trabalhe como dona-de-casa. Ou alguém que trabalhe como político. Ou alguém que seja desempregado.
Bem, depois dessa, resolvi dar meus pitacos e passar as minhas propostas de cotas também. A primeira é para baixinhos. Nós, desafortunados verticais, temos grandes problemas, vocês hão de convir, em alcançar o topo da escala social. Estamos sempre sendo vistos de baixo, com uma descrença que beira o ateísmo. Outro dia, em minha primeira (e última) aula de dança de salão, o professor mirou-me de alto a baixo (tudo bem, não de tão alto assim) e disse, exasperado:
- Você quer aprender a dançar, assim tão baixinho?
Respondi-lhe, de pronto, que Charles Chaplin tinha meu tamanho e dava muito bem o seu recado no sapateado. Ele não parecia conhecer Charles Chaplin, o que me deixou, assumo, bem satisfeito. É esse tipo de tratamento que me é dado o tempo todo. Talvez, no meio jornalístico, a altura até não atrapalhe tanto, contanto que eu não queira trabalhar na Globo, é claro. Mas imagine o sofrimento da minha classe em outros meios? Os pintores baixinhos possuem limitações muito maiores em seu desempenho, por exemplo. Enquanto alguém com um metro e oitenta já está pintando a parte de cima da parede, nós estamos batendo na porta do vizinho e pedindo uma escada emprestada. O mesmo vale para o eletricista baixinho que precisa trocar uma lâmpada, ou o cozinheiro baixinho que precisa pegar um ingrediente importante para a receita naquela parte de cima do armário.
E além dessas, existem inúmeras profissões em que sofremos pela falta de tamanho. Nossas crianças, digam de passagem, aprendem desde cedo a nos desmerecer. Quem nunca se divertiu com um Cebolinha ou um Cascão travesso, chamando a Mônica de “gorducha (“golducha”, no caso do Cebolinha), baixinha, e dentuça”? E que os gordos e dentuços não me venham reclamar também. Já existem por aí SPAs, comidas dietéticas, diminuição de estômago, e aparelhos dentários. Esticador de tamanho, nenhum cientista procurou inventar. As mulheres baixinhas, sortudas que são, podem até disfarçar com um salto alto. Mas isso só atrapalha a nós, os desmerecidos masculinos. Ficamos mais baixos até que as nossas mulheres baixas.
Merecemos, depois de tantos anos de sofrimento, um reconhecimento à altura. Por isso, cota para baixinhos, por favor. Se elas não forem implantadas rápido, as conseqüências podem ser drásticas. Nós, os baixos, teremos que nos utilizar de artimanhas mais baixas ainda para vencer na vida. E as cadeias ficarão lotadas de baixinhos delinqüentes, o que até resolveria o problema de superpopulação carcerária, vá lá. Em contrapartida, atrapalharia mais ainda o nosso convívio em sociedade, pois todos iam associar a baixa estatura ao aumento da violência. Por fim, seríamos obrigados a nos exilar de todos vocês, maiores de um metro e setenta, e procurar um lugar tranqüilo para nos acomodar.
Nesse momento, vocês iam dar por nossa falta, eu aposto. Ninguém mais bateria o recorde de “maior número de pessoas dentro de um Fusca” no Guiness, ninguém mais conseguiria se enfiar naquele buraco embaixo do armário para pegar aquela chave perdida, ninguém mais compraria roupa tamanho “P”, o que acarretaria em um maior uso de tecido, e o conseqüente aumento do preço das roupas. E, o mais importante: vocês, medianos malditos, iam se sentir baixinhos pela primeira vez, e vocês altos desproporcionais, se sentiriam bem menos altos. Um complexo de inferioridade de nível mundial alcançaria o seu estopim. Vocês, pela primeira vez, entenderiam o que nós sentimos.
Não precisamos, no entanto, alcançar esse patamar tão drástico, é claro. As cotas seriam o primeiro passo para nos integrar novamente à sociedade. E, diferente das outras minorias sociais, a nossa seria a única em que o critério de seleção seria, impreterivelmente, ser, de fato, uma minoria. Já vejo até o slogan da campanha: "A vida é feita de altos e baixos. Não discrimine". A lista de chamada seria organizada não em ordem alfabética, mas em ordem de tamanho. Nenhum atestado de sangue indígena, ou negro. Pela primeira vez, o seu tamanho seria sim o seu documento. Sem ofensas. Já consigo ver a conversa entre amigos:
- E aí, cara, conseguiu passar por cota?
- Poxa, cara, tô quase lá. Já chamaram todo mundo que tem um metro e sessenta e um. Agora tem uns três com um e sessenta e dois pra depois eu entrar.
- Você tem um e sessenta e três, é?
- Até me esforcei pra ter menos, tirei a sola do tênis, dobrei um pouco os joelhos, tudo para passar na seleção. Mas nem deu, os caras perceberam.
Bem, nesse ponto do texto, acabo de perceber que não consigo, por mais que tente, escrever sobre algo sério – e manter a seriedade sobre o assunto por muito tempo. É melhor parar por aqui. Da próxima, acho que vou defender cotas para canhotos...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

pegaDInhA DOS NAMORADOS

Ela acordou sentindo que aquele talvez não tivesse de ser um dia tão diferente. O lado esquerdo da cama quase intocado confirmava que a noite passara despercebida. Sim, era dia dos namorados e ela estava sozinha. No entanto, nesta manha dedicada aos amantes, decidiu que não se deixaria abalar.
Lavou os cabelos com o novo shampoo, se arrumou e carregou sua esperança nas costas todo o caminho até o trabalho. Lá deu o seu melhor (dentre jogos de paciência e textos inventados) e seguiu sua nova vida para pegar o carro mal estacionado na rua da frente, com destino à faculdade.

Já nos primeiros metros, reparou que motoristas irados esbravejavam palavras que ela logo se apressou para não ouvir, fechando os vidros e aumentando o som. Este som de fato ajudou pouco, já que era apenas rádio FM e logo após a entrada do túnel transformou-se em um fino e irritante chiado. O transito estava apenas um pouco congestionado, tudo bem.

Quarenta minutos depois avançara o bastante para que o som voltasse a tocar e, com muito bom humor, ela atendeu ao telefone celular:
-Alou?
-Oi amiga, onde você está?
-To no transito.
-Transito pra onde?
-Bom, primeiramente eu estava indo a faculdade, agora já acho que vou pra onde quer que esse engarrafamento esteja indo. Ou melhor, lugar algum.
-Nossa, mas você é dramática hein! Olha só, to aqui no barzinho da praia com o Wagner, passa aqui, ok?
-Ta bom, tchau.

“Ótimo, segurar vela é comigo mesmo”, pensou. Ainda assim, o pensamento se desviou completamente quando ela percebeu que o maior ônibus da sua vida tentava insistentemente passar a sua frente – “Ah, mas eu não deixo mesmo!”.
E assim se seguiram os próximos vinte minutos, uma arrancada dela, uma investida dele, os dois disputando vigorosamente pela traseira do carro vermelho à frente. Mais uma vez o celular:
-Alô?
-Oi amiga, onde você ta?
-Não posso falar, estou num rally dos sertões ao contrário.
-Como assim, vc ta aonde?
-Rally dos Sertões, sabe? Eu e o motorista de ônibus abusado disputando uma corrida no engarrafamento. Em um segundo perde-se a vaga. Ei!, pera aí, acho que ele ta tentando dizer alguma coisa.. já te ligo!
De fato, o motorista do ônibus acenava sistematicamente para ela, incentivando a rixa entre os dois.

Algum tempo depois:
-Ai o que é?
-Amiga, to preocupada, já tem uma hora desde que eu te liguei. Aonde você ta?
-Eu avancei 20 metros desde a sua primeira ligação. Ai, merda! O viadão me passou! Ta vendo, você foi me distrair. Ótimo, ele ainda tem a cara de pau de me sacanear!
Já às gargalhadas, de fato o motorista a reverenciava diante do belo combate que vivenciaram. Mais duas horas no engarrafamento e eles esqueceriam um do outro.

Os carros amontoados avançavam lentamente e, em cerca de mais uma hora ela tinha chegado ao centro. Triiiiim:
-Se você me ligar mais uma vez..
- Oi prima, sou eu.
- Ah, desculpa. Achei que fosse uma amiga.
- Escuta você ta na faculdade, né? Tem como me buscar aqui no shopping?
- Na faculdade? É, já to saindo. Vamos fazer um trato. Preciso ir segurar vela da minha amiga, vai comigo e eu te busco!
- Ta, sem problemas. To te esperando na porta.

Por sorte o retorno estava próximo. Rapidamente todo o estresse de uma vida perdida no engarrafamento desapareceu de seus pensamentos e ela desfrutou deliciada da corrente de ar (provocada pelo movimento de seu carro) nos cabelos. Mas assim que abriu os olhos, lá estavam todos eles. Aqueles pontos de luz vermelha logo à frente, dizendo a ela que os carros estavam parados. “Ah, não!”.

Meia hora (ou três quadras) depois ela percebeu: “Eu estou no engarrafamento errado!”. Mais quinze minutos e conseguiu fazer o retorno, alcançou o engarrafamento certo, chegou ao shopping e encontrou a prima.
- Caraca, já ia ate desistir de pegar carona. Você demorou séculos.
- Por favor, não começa. Estou há quatro horas no transito pra não chegar a lugar algum. Nem na faculdade deu tempo de ir. Agora vamos embora que eu ainda tenho mais dois engarrafamentos pra pegar.

Não demorou muito. Sim o transito continuava lento, mas logo depois da curva tudo estava limpo. Ignorando o fato de não haver a menor explicação para o congestionamento pré-curva ela acelerou. Mas algo havia de errado:
- Ai agora o quê? Acostumou a andar devagar, é?

Não, não podia ser. Como ela pôde esquecer?

- Prima, o que foi? Você ta ficando verde!
- Há! Acho que estamos sem gasolina.
E o carro, como se atendesse à constatação anterior, morreu.

“Hoje, com certeza é o meu dia!”, afirmou ao tentar ligar para sua mãe, pai e irmão –sem qualquer retorno.
-Tudo bem, você fica aqui que eu vou ao posto comprar a gasolina.
- Ah, porque eu que tenho que ficar sozinha?
-Porque você não vai querer andar três quilômetros até o posto e voltar com 5 litros de gasolina debaixo do braço. Agora toma aqui o documento do carro e ignore as buzinas e xingamentos dos motoristas.

E assim ela foi, quase que descrente de tudo o que havia passado, atravessou uma inauguração de restaurante e, ao finalmente chegar ao posto, constatou que estava fechado para obras. “Mas é claro que não podia ser tão fácil!”. Três quadras a mais e avistou o próximo posto:
-Boa noite, o meu carro.. bem, como posso dizer..é..Olha só, meu carro morreu na praia, literalmente. Eu preciso de uns 10 reais de gasolina em uma garrafa.
- Ah, pois não, tenho só esse galão.
-Certo.

Pagou, agradeceu e começou a fazer o caminho de volta. Andar com toda aquela gasolina, ainda mais sob dezenas de olhares suspeitos (ela não pôde evitar refletir sobre o que toda aquela gente pensava. Finalmente, chegou à conclusão de que achavam que ela iria queimar o apartamento do namorado, o carro do namorado ou mesmo o namorado), não foi fácil.. De repente começa a tocar o telefone ela, atrapalhada ao tentar achá-lo na bolsa, pingava gasolina por todos os lados.

Atendeu:
-Oi.
-Oi irmã, você me ligou. Tudo bem?
- Ah, claro, te liguei só pra bater um papo ótimo de como o carro enguiçou no meio da praia e eu graciosamente andei a minha vida inteira ate um posto fechado e agora volto com um tanque de gasolina nas mãos, a bolsa pendendo do dedo mindinho, o celular na outra e todas as amáveis pessoas que me olham como se eu fosse uma assassina. E você, tudo bem?
- Hahahahahahahahahaha.Quer ajuda?
-Ah, agora já era.
-Então tá, beijo.
-Beijo.

Chegando ao final da longa caminhada ela avistou o estrago que tinha causado. Uma avalanche de carros manobrando à volta do seu próprio, mal estacionado, obstruindo a rua estreita. Conversando com sua prima estava o guarda de trânsito.
-Boa noite.
-Boa noite.
-Esse veículo é seu?
-É sim senhor, me desculpe.. eu sei que deveria ter prestado a atenção,mas.. acho que o problema é gasolina.. não sei direito.. foi o engarrafamento, sabe.. muito tempo que me esqueci..
- Tendo um péssimo dia dos namorados, né?
- Ahn? Ah, bom, o senhor nem imagina!
- Eis o que a senhora vai ter de fazer.
-Sim. (com ares de que tudo estava perdido)
- Quando ligar o carro atente para o acelerador, ele vai ter de beber bastante para dar a partida. É só continuar acelerando antes de passar a primeira.
-Ah, o que? Não vai me prender, multar, remover o carro?
-Apenas acelere.
-Ok.
Ela pôs a gasolina e, o mais rápido possível arrancou, antes que ele mudasse de idéia, trocando o conselho pela multa.

Todos adoraram o relato de sua aventura mais tarde no bar, que logo resolveram trocar por outro mais barato. Lá, sua prima encontrou alguns amigos e o dia virou debate:
-Porque será que tem dia dos namorados e não tem dia dos solteiros?
Sim, alguém tinha que fazer o seguinte comentário:
-Porque todo dia é dia dos solteiros.
-Exceto hoje.
-Gente, dia dos namorados é a maior desculpa pros homens fazerem tudo o que devem fazer ao longo do ano em um dia. Enche a mulher de presentes, jantares românticos e tudo mais que eles odeiam. Pronto, estão salvos pelo ano. É quase como imposto de renda.
Entre “ah, não é bem assim..”, “mulher sempre tem que reclamar de alguma coisa..” e “você só diz isso porque ta solteira..” o dono do bar avisou que ia fechar. Discutiram um pouco e acataram a idéia de jogar sinuca e cantar no karaokê.

Ela e a prima dando show enquanto os meninos discutiam quem ia ficar para tentar um clima de romance e quem ia embora. Resolveram e ela, já prevendo o final da história (e não gostando muito) começou a dar sinais de sono.
Eram três casais agora, dois já resolvidos e o último ainda apenas promessa. Saindo de lá resolveram ir para a praia. Ela convocou as meninas:
-Gente, parem de tentar me arranjar. Luz do luar é sacanagem!
- Ah, para com isso você. O menino é bonitinho e tá todo se engraçando pra você. Porque será que ele não foi embora?
- Dã. Eu sei, mas.. não sei, eu não to querendo não..
-Ah não começa. Vamos logo e depois você pensa nisso. Se não quiser, não quis.
-Não, gente, eu não vou.

Foram. E tudo foi como ela pensara. Conversaram um pouco a grupo, logo a prima se isolou com um dos meninos a um canto. A amiga (já sem Wagner) se focou na solidão um pouco mais a frente. Ficaram ela e ele, conversando sobre nada:
-Ahnn, o que você faz da vida?
-Eu? Eu estudo e trabalho e você?
-Eu só estudo. O que você gosta de fazer?
-Bem.. eu.. eu gosto de..,etc.

A conversa mudara de rumo:
-Hoje está uma noite muito bonita, olha só quanta estrela!
-É, mas hoje eu só consigo olhar pra você.
-AH BEIJA LOGO, NÃO AGUENTO MAIS ESSE ‘NHENHENHE’! – interromperam.

E, após um breve momento de silêncio, eles se beijaram. Ela sentia como se estivesse tragada por aquele beijo. Bem, era mais como se afogasse. De repente ela percebeu que o menino entrava em um ritmo frenético, talvez tentando a engolir. “Era só o que me faltava”.
Seus olhos não estavam fechados e sim cerrados esperando o momento em que não seria mal educado parar.
Quando se separaram, ela avistou a amiga mais à frente, curtindo a depressão (do tipo clássico, inevitável claro, de madrugada na praia com dois casais) e ela ouviu sua salvação justamente pela boca que necessitava ser salva:
-Ela parece estar mal, você quer ir lá conversar com ela?
-Ah, claro! Quero dizer, é melhor, ne?

Foi.
- Ta deprimida, amiga?
- To sim, mas é quase bom. Não é nada demais não, pode voltar pra lá.
-Não, eu quero saber. Porque você está triste?
- Já disse, não é nada. Só melancolia de estar aqui sozinha e um pouco de saudade. É serio, eu estou bem.
- Uhn, entendo. Então vou ficar um pouco aqui com você.
- Não precisa amiga.
- Precisa sim.
- Não não precisa. Qual o seu problema hein?
- Entao ta, eu vou te falar. Não to agüentando o sex-appeal ali não. Vamos embora?
- Hahahaha, mais um beijo ruim? Menina, mas você ta com kharma!
- Eu sei, também já estou achando que é maldição.
- Então vamos. Pode dizer que eu que quero ir.
- Obrigada, vou dizer sim. Agora vamos logo que esse dia já passou da hora de acabar.

Despediram-se.

Ao chegar em casa ela reviveu mentalmente sua jornada repetidas vezes. Em algumas delas, quase não acreditava como exatamente tudo pôde dar errado em um só dia. Logo antes de dormir só conseguiu chegar a uma conclusão, um responsável.

Olhou para cima e decidiu tirar as contas com Ele: “Não bastava estar solteira, não é?!”.


terça-feira, 4 de setembro de 2007

Um ensaio sobre a estupidez

Três da manhã. Pela sala, uma infinidade de fitas de videogame se confundem com controles analógicos, caixas de pizza e game boys portáteis. Restam, para todo aquele grupo de nerds insones, já cansados de zerar pela milésima vez os mesmos jogos, duas alternativas. Ou assume-se que a monotonia já está penetrando o ambiente, que dezenove anos já não é mais idade para ficar brincando uma madrugada inteira de dar tiros e espadadas virtuais uns nos outros, que aquelas piadas sem graça já ultrapassaram completamente o número de vezes que uma piada sem graça pode prudentemente ser repetida, e que é hora de dormir, acordar cedo e ir para casa no dia seguinte decidido a tornar-se homem de verdade, arranjar um emprego sério e nunca mais encontrar esses imbecis que não fazem nada a não ser repetir seus feitos antigos em um jogo de Pokémon que ninguém lembra mais, ou parte-se para a segunda opção: discutir sobre quadrinhos.
Como é de conhecimento geral que amanhã cedo ninguém vai ter disposição nenhuma para tornar-se um homem de verdade, arranjar um emprego sério, e nunca mais encontrar esses imbecis que não fazem nada a não ser repetir seus feitos antigos em um jogo de Pokémon que ninguém lembra mais, porque todo mundo vai estar com o bucho cheio de pizza para ser digerida, um dos patéticos seres faz o primeiro comentário:
- Vocês viram que o Capitão América vai morrer?
Para quem não entende nada de quadrinhos, cabe aqui a explicação do que se quer dizer com essa frase. Sabe quando alguém na mesa de um bar inicia uma discussão sobre as CPIs que estão acontecendo, os aviões que não estão decolando e os ministros que estão pouco se lixando com o que está acontecendo, porque quer, com isso, adentrar em um severo debate em que a unanimidade dos presentes é de que o governo é uma merda, o presidente é um imbecil e que foi um erro votar nele? É algo assim que se pretende ao comentar a morte de um personagem de quadrinhos. A partir daí, todos vão xingar os interesses comerciais das editoras, dizer que os roteiristas são uns imbecis e que é um erro continuar comprando esses caça-níqueis que as revistas se tornaram. E, assim como na próxima eleição aqueles que estavam no bar não vão ter dúvidas em votar novamente no presidente atual, no próximo dia esses que estão na minha casa não vão ter dúvidas em comprar as revistas novas que chegaram na banca. Continuemos com o ritual:
- O Joe Quesada é um imbecil. Como é que o cara promete que enquanto ele for editor-chefe da Marvel, ninguém ressuscitava e já ressuscitou uma porrada de gente? Só nos X-Men, metade já voltou do túmulo: Magneto, Psylocke, Colossus... como é que ressuscitam o Colossus, aquilo é que foi morte bonita! Agora já vai matar o Capitão América, pra aumentar a tiragem da revista, e em dois meses, vai ressuscitar o cara, só pra aumentar a tiragem da revista de novo. E vai ter palhaço pra comprar quando o cara morrer e quando o cara voltar a viver. Quer apostar?
- Você não vai comprar não?
- Sou retardado de dar dinheiro pra esses caras?
Não acredite. Ele vai comprar. Todos nós vamos comprar. Por que? Porque a morte de um personagem-chave da Marvel dá fôlego para a continuidade dos quadrinhos, revitalizando todas as outras revistas que vão ser, de alguma forma, afetadas por essa morte. A revista dos Vingadores, por exemplo, que vão perder seu líder. E a revista de todos os integrantes dos Vingadores, que vão sentir tristemente a morte de um dos companheiros, como as do Homem-Aranha e do Wolverine. Mas há um outro motivo, bem mais eloqüente: somos todos retardados de dar dinheiro para esses caras.
- Se fosse para matar, que matasse para sempre. O cara tá vivo desde a Segunda Guerra Mundial, merece descansar em paz. Toda hora tiram ele do túmulo. E a morte podia ser bem impactante, tipo se um dos mocinhos matasse ele sem querer na Guerra Civil. O Homem de Ferro, sei lá.
- E desde quando o Homem de Ferro bate no Capitão América, rapaz? Ele ia sair em pedaços numa luta dessa. Não matava o Capitão nunca.
- Não matava? Aí, você pirou. O cacete que não matava. A tecnologia da armadura do Homem de Ferro mete porrada no Hércules, quanto mais no Capitão América, que só tem aquele escudo de adamantium.
Essa já é a segunda etapa da discussão. É quase como se em um fim de noite, os carinhas que eu citei lá em cima, os do bar, desistissem da política e fossem falar de futebol ou mulheres. E o Palmeiras é melhor que o Vasco, e a Silvinha é melhor que a Paula, e se eu fosse aquele goleiro, e se eu pegasse aquela mulher... a discussão só vai ter fim quando todos perceberem que já se pediram umas cinco saideiras e que todas as mulheres citadas são areia demais pro caminhãozinho deles, e que eles estão muito barrigudos pra serem goleiros até de time da quinta divisão. No nosso caso, a discussão acaba depois que, de herói pra herói, chega-se no Super Homem, já da outra editora, e há quase consenso de que esse é imbatível. Mas sempre há umas tentativas frustradas de vitória:
- O Apocalypse.
- “Apocalipse” da Marvel, “Apocalypse” da DC, ou o “Apocalipto”?
- O da DC, com “y”. Aquele ganha.
- Como é que ganha, rapaz, se os atributos dele são todos menores que o do Super Homem? Tá lá na Enciclopédia da DC.
- Mas a Enciclopédia da DC que tu tem é do ano passado. O Apocalypse andou dando uma graduada nos poderes, a desse ano vai ser diferente.
- Então espera a desse ano chegar que a gente discute.
- O Super-Homem da Terra 2.
- É Super-Homem do mesmo jeito. O que você quer dizer com isso é que só o Super-Homem vence do Super-Homem. Se for assim, venci a discussão, o Super-Homem é imbatível, ganhei.
- O Thor. O cara é um deus, porra.
- Deus ou não, perdeu naquele embate clássico Marvel versus DC de 1984.
- Tu não era nem nascido...
- Mas li na biografia do Thor.
- O Thor com cryptonita.
- Ah, não apela. Primeiro, que o Thor é da Marvel, e não tem cryptonita na Marvel. Segundo, que a gente combinou que não valia essa porra de “não-sei-quem-com-cryptonita”, que é esculhambação.
- Primeiro, se o Thor enfrentou o Super-Homem nessa tal batalha de 1984, poderia ter roubado alguma cryptonita do cinto de utilidades do Batman. O Thor é tão veloz que o Batman nem veria. Segundo, se é pra impor limitações, beleza. O Flash ganha do Super-Homem na corrida.
- Essa tu viu em Lost. Vai ficar roubando afirmação de seriado agora, é? E se o Thor roubou cryptonita do Batman, por que não usou já naquela batalha e venceu?
- Porque ele é um deus, quis ser misericordioso.
- E misericórdia é apanhar até perder o martelo e voltar de olho roxo pra casa?
- Como é que eu vou entender os desígnios divinos?
- Ah, inventa outra.
E eles inventam outra, e mais outra e mais outra. Quando decido ir para cama e sair da sala, já estão citando o Bizarro, um anti-herói que é o exato oposto do Super-Homem. A argumentação é clara: o Bizarro é muito burro pra ganhar uma batalha. A contra-argumentação é, no mínimo, apelativa:
- Na queda de braço ele ganha!
Fecho a porta do quarto cansado. Cansei dessas disputas inúteis. Ganha quem for mais rentável pra editora, como é que ninguém sabe disso? Amanhã acabou: vou arranjar um emprego. Se me perguntarem o que eu sei fazer da vida, vou ter que pensar o que dizer. A minha maior conquista até hoje foi zerar todos os Pokémon de Game Boy já lançados, com todos os Pokémon capturados. Cinco vezes cada um. Mas ninguém mais lembra de Pokémon. Droga! Talvez até funcione em uma loja de videogames. É isso, vou procurar em uma loja de videogames. É um senhor currículo ter zerado tantas vezes tantos Pokémon diferentes. Amanhã bem cedo vou procurar uma. Agora não, vou tentar dormir.
De repente, uma súbita inspiração vem à cabeça. Perco o sono e o cansaço de imediato, e levanto da cama aos pulos. Corro para a sala, inebriado com a sensação de ter descoberto o maior dos segredos:
- O Goku, de Dragonball Z. O cara bate o Super-Homem de longe!
E lá vamos nós de novo.

Sobre o início e o fim

Quis começar esse blog com uma crônica bem diferente da que eu vou postar após essa introdução. Algo que remetesse claramente aos devaneios em comum que eu e Patricia temos. Mas decidi, por motivos de força maior, fazer diferente. Agora que dividimos um blog, nada melhor que nos apresentemos no que o outro menos nos conhece. A fase de empatias pode ficar para a frente. Portanto, escrevi algo bem "Veríssimo" (estou relendo o cara - o filho, não o pai). Com isso, inicio minhas postagens com algo bem light, até para contrastar com os macacos nietzschianos de Patricia. Mas, acreditem, o peso está por vir....

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Dance, Monkeys, Dance!

Dar início a um texto, um blog quiçá, é aventura fantástica, como nadar em um mar de possibilidades e atrelar-se numa bóia. As palavras me fogem constantemente e devaneio sobre como, algum dia, consegui. É que nessa árdua tarefa de dar continuidade às coisas esquecemos o quão difícil é o começar. Pensei que melhor seria, uma rodada de apresentação. Logo mudei de idéia, pois, dissertar sobre mim é uma escrita ainda mais complicada e maçante.

Apresento, então, este vídeo como o pensamento abre-alas de uma madrugada de insones, a palavra esperando por ser construída.



A este meu parceiro de palavras, mestre das fantasias da madrugada, dedico. A ele, que já teve seus passos marcados no chão junto com os meus e hoje, no entanto, perdura no cotidiano através de palavras escritas, ecos telefônicos e meios virtuais (uma pena, muitos diriam. Eu não, eu afirmo que sabemos ser eternos). Que ele seja a primeira voz.